Silêncio
O silêncio sempre foi algo muito curioso para mim, enquanto todos tinham milhares de contos para atrair a atenção dos outros no intervalo da escola, eu só observava. Me parecia estranho querer tanta atenção e buscar tanta aprovação ou algo desse tipo, era um “se mostrar” que me parecia muito…peculiar.
Depois de algum tempo passei a pensar que isso fosse um defeito meu e eu era diferente das outras pessoas, que elas faziam aquilo daquele jeito e eu fazia de outro que era diferente e talvez até mal visto. Mas esse comportamento não se repetia com todos os grupos de pessoas, talvez eu demore mais para criar laços de confiança, sinceramente não sei.
E aí, ano passado, por convite de um amigo decidi ir a um centro de estudos budistas para aprender a meditar. O que inspirou o convite do meu amigo e me fez tomar a decisão de aceita-lo foi esse vídeo aqui ó: Pra começar a meditar.
E lá eu fui, me meter a sentar em silêncio e focar na respiração. Deixando as coisas passarem, voltarem, passarem e voltarem novamente. Me animei e comecei a ir toda segunda-feira, depois viajei e parei de ir por alguns meses. E comecei a cultivar inúmeras dúvidas sobre o que diabos fazer com a minha vida. Então decidi voltar a fazer aquilo que menos me exigia e nem queria saber das minhas preocupações, realizações, vontades, perturbações: sentar em silêncio. Comecei a ler livros desse tal de budismo que fala sobre liberdade, praja paramita, Guru Rinpoche, mantras, vacuidade, roda da vida, etc. Eles são realmente cheios de palavras diferentes ou não. Comecei a ir de quarta-feira, depois também na quinta-feira.
Peguei gosto pela coisa, Lama Jigme Lhawang pisava em São Paulo e eu ia lá ve-lo. E aí soube que ia ter um mini-retiro com o Lama Padma Samten, e lá eu fui. Foi diferente estar imerso naquele ambiente, mas embora ele falasse com muita clareza e fosse possível para mim entender muito do que era falado, pelo menos eu acreditava ser assim. Eu me senti desconfortável e não foi pelo silêncio, acho que foi pelo meu “achismo” de que eu tinha dominado a matéria.
Automaticamente eu comecei a arrumar desculpas para parar de ir aos encontros no centro de estudos. Depois para parar de sentar em silêncio e logo eu havia me distanciado de tudo aquilo. Para então cair em um desabamento emocional, tudo parecia bem errado e desajustado em minha vida. Eu sentia como se eu não tivesse controle absolutamente nenhum sobre o que acontecia, lembrei: não tenho mesmo. Eu só tentei deixar as coisas passarem e ficar quietinho.
E não é que uma ou duas semanas depois aquele meu amigo me convidou de novo pra ir ao centro de estudos numa segunda-feira! Sentar em silêncio é realmente meu maior presente pra mim mesmo. Tentar me envolver cada vez menos nas perturbações emocionais para ver com clareza o que realmente acontece ao me redor. O silêncio aumenta a percepção. Ele te prepara para não tomar posição alguma e poder ouvir todas com cuidado, isso proporciona, ao meu ver, uma capacidade gigantesca de questionar as posições em questão.
Reconhecer que não sou sabido de tudo, mas posso praticar mais atenção para aprender mais sobre como as coisas funcionam é muito recompensador. Esses dias mesmo, eu tava lá subindo a rua embaixo dela garoa chatinha. E um moço se aproximou de mim, eu tirei meus fones e ele disse: uma carona até a paulista? E eu pensei: com certeza, ninguém merece essa chuva.
Não sei se por força do hábito ou por causa da minha barba ou qualquer outra coisa. Mas ele me perguntou: Você prega o evangelho, amigo? E eu disse que não. Subimos até a avenida paulista e ele foi me contando como a ciência estava equivocada e a bíblia possuía a resposta para tudo, bastava olhar da maneira correta e você conseguiria descobrir até o nome de quem inventou a lâmpada e coisas do tipo. Como caminhávamos lado a lado não era possível ver seu rosto e suas expressões, mas assim que chegamos na avenida paulista ficamos frente a frente. Nesse instante o conteúdo da conversa desapareceu e seu censo de que estava certo e eu deveria ser convencido daquilo era a única coisa que eu conseguia ver. Era angustiante, eu pensei que fosse uma prisão.
Decidi tomar uma posição, perguntei o que ele pensa das outras tradições religiosas, algumas até mais antigas que a cristã. E ele imediatamente começou a falar que como todas surgiram do velho testamento. Então eu o indaguei sobre as tradições asiáticas e ele disse que isso não importa porque o calendário conta regressivamente até o nascimento de Jesus. Eu disse que haviam outros calendários e que esse só é usado atualmente porque a ordem econômica é proveniente de sociedades cristãs. A discussão cessou e ele me fez votos de uma boa vida, pediu para eu ler alguns trechos da bíblia. Eu fiz votos de uma boa vida para ele também e disse que me sinto bem.
Ele provavelmente não é a última pessoa que eu vou ouvir ou ver falar sobre Jesus, mas eu quero me manter aberto para ouvir aqueles que acreditam que seu profeta não veio, os que não creem em um profeta, os que creem no futebol, em quadrinhos, em fotos de animais, etc. E se eu não for salvo, tudo bem, se eu for, tudo bem também.