De Todos Os Arrependimentos
É Kierkegaard que gosta de falar que não importam nossas escolhas frente as possibilidades, que o único resultado possível é o arrependimento. Isso não quer dizer que não devamos fazer escolhas ou que nada importa, mas que precisamos estar preparados para abraçar os arrependimentos que escolhe. Uns dirão talvez até acolhe-lo. Pode ser algo simples, pode ser comprar aquele pote de sorvete que você sabe que lhe fará mal, mas também vai suprir seus desejos por algo simples como um doce. A primeira vez que realmente ponderei sobre isso eu buscava uma saída para algo que eu nem sabia o que era. Só sabia que ficar parado iria me trazer arrependimento e não mudaria nada, eu tinha esse movimento interno e infernal. Eu me demiti da firma, me senti um pouco melhor. Existiam boas razões para ir embora, mas talvez eu pudesse ficar um pouco, não fosse a pressão que sentia na época. Algumas semanas mais tarde, ainda pego por essa inquietação interna, me desdobrei sobre Kierkegaard mais uma vez. Continuar com a amada ou deixa-la, fique com ela e se arrependa de continuar com ela nas mesmas condições, deixe-a e arrependa-se de não ter o que teve outrora. E foi bem assim, pretensioso, que eu a disse
Eu preciso ir. Eu vou me arrepender de ir, mas eu me arrependeria de ficar também, meu amor.
Em última instância não acredito que jamais encontrarei alguém com tamanha compreensão e carinho pelo meu ser. Não quer disser que eu não vá, mas eu não acredito nisso. Não acredito em tanta coisa.
É muito raro não sentir algo que não seja uma dose leve de arrependimento. Por ter comido um pouco mais, ou um pouco menos. Por ter mudado de país ou não ter mudado antes. E durante um bom tempo, meus arrependimentos foram suportáveis. Não havia inquietação interna, eu não sentia o animal dentro de mim gritar pra eu tomar distância e me atirar em frente. Mas agora, algo mudou.
O duro é desmistificar isso, é entender se o que eu sinto é resultado de algo genuíno ou só o azar das condições em que estou inserido. Mas chega de ponderar sobre.
Eu lembro que de imediato eu me senti acolhido, não era especial sobre mim, era especial sobre ela. Ela era diferente, ela me acolheu, mesmo sem notar. No começo eu estava curioso, essa curiosidade morreu semanas depois de eu começar a tentar me aproximar. Quando ela revelou estar namorando, parecia recente. Foram meses até eu me sentir bem com o fato de ela ter alguém na vida dela, até eu entender que o que poderíamos ter é: amizade. E daí começamos a cuidar desse bem precioso. Queria eu que ficasse assim, eu me culpo, em alguns momentos. Eu insisto em passar tempo com ela, em construir essa ilusão de proximidade. Caindo em minha própria armadilha, nem entendi quando aconteceu, nem tem como entender mesmo. Ela impedida de sentir algo, de ter algo, e eu impedido de tentar algo, por medo. Medo de ser rejeitado, de perder a sua amizade, de as coisas ficarem estranhas. Mas às vezes, algo parece estranho, ela se aproxima com carinho, o carinho que eu preciso receber, que eu quero receber.
Ontem eu fui na casa dela, ela disse que não entende como alguém pode amar duas pessoas. Ela me mostrou fotos no mural e disse: olha, você tá aqui. Tive que me segurar, claro que ela tinha uma foto com ele, mas era uma foto. Achei estranho. Mas né. É bobo, mas é gostoso ouvir a risada dela, o jeito que ela fala e como ela se cobre quando tá com frio. Ainda lembro de nós na festa da firma, os olhos dela nos meus, ela do meu lado e eu completamente hipnotizado, perdido, sem rumo mesmo!
Por outro lado, eu perdi muito do que era garantido pra mim, a minha fortaleza, o meu chão. Mudei de país e as minhas referências mudaram e continuam a mudar. E nesse processo tento buscar formas semelhantes às que eu tinha antes, para me afagar. Então, sim, acredito que tudo isso pode ser só carência, pode ser só essa falta de referência de carinho, que ela me provê, de tempos em tempos, de forma amistosa. Que eu talvez escolha ver de outra forma.
E por último, por último, tudo isso é resultado de uma provocação. Uma pergunta
Tu já se apaixonou por alguém aí?
Eu caí em espiral, mesmo sabendo a resposta, justamente porque respondi de imediato. Não tive nem o que pensar. Mas em seguida começou uma ponderação louca. E pra ser bem sincero, essa ponderação louca, essa minha obsessão tentando determinar se estou apaixonado ou não, e suas causas raízes, é o meu medo de agir. Porque se apaixonado estou, só existe um meio de resolver: ir adiante, fazer algo, tomar movimentos. E isso significa tomar riscos e transformar as minhas relações. É dar o grande salto, encontro-me, novamente, em posição de fuga. Buscando uma saída, buscando dar uma saída para o que eu sinto dentro de mim.