Eu posso sentir seus olhares sobre mim, ou talvez seja só coisa minha cabeça, mas eu sempre gostei de não ser notado, isso sempre foi bom o suficiente para mim. Seguir a minha vida sem incomodar. Enquanto eu caminhava pelo parque eu me esforçava pra não desistir e voltar pra casa, eu sabia que ia ter comida boa, comida da qual eu sinto falta então eu prossegui, chegando lá bateu aquele sentimento de estar perdido e não entender o que estava acontecendo ali e como aquilo tudo funcionava. Mas as moças falavam português, elas eram brasileiras, entrei na fila, esperei a minha vez e pedi o meu pastel e uma coxinha. O pastel não tinha, ela disse, eu tinha me prostrado aquele caminho todo, nem foi isso tudo, mas preciso ser dramático e valorizar o meu esforço. Peguei duas coxinhas, sentei perto da tenda e fiquei assistindo a vida passar, eu mandava fotos das comidas pras pessoas. Talvez uma tentativa de mostrar algum conforto que eu sentia naquele momento, talvez desespero por estar só e não querer estar.

E uma amiga me ligou

Eu passei

Ela estava esperando a resposta de uma entrevista, a conversa ficou ruim por causa da internet, eu desliguei. Mas estava feliz, aquilo aliviou meu coração, comi mais um pouco da coxinha. Uma criança veio, sorriu, sentou do meu lado e ela berrou

Mama, quero cumê ati

A mãe não entendeu ou fingiu que não, e convocou o filho à sua mesa, ele foi comer o pastel dele lá. E lá fiquei, olhando mais um bando de pessoas, se encontrando, esperando, se abraçando, olhando celulares impacientemente. Provavelmente tinha mais alguém como eu, que não esperava e que não havia encontrado alguém. Vi uma moça com pastel! Não tenho amigos, mas me nego a sair daqui sem o pastel, esse pastel será meu! Eu atravessei parte da cidade pra isso, até me vesti bem…pra encontrar o pastel. Ah, eu tinha um encontro, afinal de contas.

Entrei na fila, pedi pastel e uma fatia de bolo de mandioca, o pastel ia ser feito na hora, o bolo estava bom. Enquanto eu esperava duas brasileiras falavam sobre a confusão na organização e o anseio pela fatia de bolo de mandioca que nem sempre estava disponível, enquanto elas aguardavam pela coxinha delas. Eu falei algo sobre o bolo, na esperança de ser notado, a amiga dela só disse que no ano passado ela não tinha conseguido um pedaço e como queriam dançar forró. Meu pastel veio, elas nem me olharam quando fiz comentários, talvez me achando intrometido ou não sei. Voltei ao meu lugar, comi, vi as pessoas. Uma garota impaciente finalmente se levantou para ir ao encontro de alguém, mas eu a perdi de vista. O senhor à minha direita também se levantou ao encontro de um amigo.

O forró rolando de fundo me trazia o conforto que eu não sentia há algum tempo, o maldito forró que tanto me incomodava em Fortaleza, ele que me impedia de estudar e dormir. Que eu achava coisa de gente rasa, coisa de gente sem QI, de gente que não é gente como a gente. E a verdade é que talvez eles só estivessem felizes, que só queriam celebrar o que estava ali, queriam viver a vida deles. E esse som que de alguma forma me lembrava a minha casa em Fortaleza, me atingiu. Uma angústia enorme me tomou e eu sentia tudo vacilar dentro de mim, eu estava pronto a chorar. Hora de ir. Pedalei de volta, vi algo e dormi.

Foi um dia bom, foi bom comer, mas eu ainda estava me sentindo só, no meio daquelas pessoas, porque afinal de contas, estou só.